domingo, fevereiro 25, 2007

Jaime Gil de Biedma


A ARQUITRAVE

A gente vive entre pessoas brilhantes. Há quem fale
da arquitrave e seus problemas
como se ela fosse sua prima
-além disso, muito próxima.

Pois bem, parece que a arquitrave
está em perigo grave. Ninguém sabe
muito bem por que assim é, mas dizem-no.
Há quem venha a dizê-lo há vinte anos.

Há quem fale, também, de inimigo:
seres não perceptíveis
estão em toda a parte, insinuam-se
como o pó nos quartos.

E existe quem levante andaimes
para que ninguém caia: povo atento.
(Curioso, que em inglês scaffold signifique
ao mesmo tempo andaime e cadafalso.)

Algum sai à rua
e beija uma rapariga ou compra um livro,
passeia, feliz. E lhe disparam:
Mas como se atreve?
!A arquitrave…!


In Las personas del verbo

(Tradução de J.T.Parreira)

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Notícia Local

As estrelas expandem-se.
A poeira
caiu numa estrada
do Arizona.

Uma rosa de magma
tornou-se sólida
antes que as mãos pudessem
salvar as cinco pétalas.

Uma ave
cobriu-se de poeira
primeiro que nossos olhos
tivessem tempo
de voar no seu corpo.

E o sol escondeu-se, uma sombra
decapitou uma árvore.

19-2-2007

domingo, fevereiro 18, 2007

Segunda-Feira, de Primo Levi


Que coisa é mais triste que um comboio?
Que parte quando deve,
Que não tem mais que um som,
Que não tem mais do que uma estrada.
Nada é mais triste que um comboio.

Ou talvez um cavalo de tiro.
Está fechado entre duas palas,
Não pode nem olhar para o lado.
A sua vida é andar.

E um homem? Não é triste o homem?
Se vive longamente em solidão
Se crê que chegou ao fim
Também o homem é uma coisa triste.

(Tradução de J.T.Parreira)

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Impressões

(à maneira de e.e.cummings)


As gaivotas estão melancólicas
hoje(pairam
no tédio
dos pátios)na ondulada
pedra
das calçadas,
nas poças de água(só
um céu
de lama)só
argila.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Espanha no coração:Pablo Neruda

Madrid isolada e solene, Julho te surpreendeu com tua alegria
de colmeia pobre: tua rua era clara,
claro era teu sonho.
Um desejo negro
de generais, uma vaga
de sotainas raivosas
rompeu entre teus joelhos
suas lodosas águas, seus rios de escarro.

Todavia, com os olhos feridos de sono,
com escopeta e pedras, Madrid, recém-ferida,
defendeste-te. Corrias
pelas ruas
deixando estelas de teu santo sangue,
reunindo e chamando com uma voz de oceano,
com um rosto mudado para sempre
pela luz do sangue, como uma vingadora
montanha, como uma sibilante
estrela de facas.

Quando nos tenebrosos quartéis, quando nas sacristias
da traição entrou tua espada ardendo,
não houve senão o silêncio do amanhecer, não houve
senão teu passo de bandeiras,
e uma gota de sangue em teu sorriso.

in Tercera Residencia, Madrid, 1936

(Tradução de J.T.Parreira)

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Poema de Allen Ginsberg

Kaddish 44

Para Lindsay*

Vachel, as estrelas sairam de cena
o escuro caiu numa estrada do Colorado
um carro lento rasteja através da planície
o rádio ressoa jazz no crepúsculo
um vendedor desanimado acende outro cigarro
Há 27 anos noutra cidade
vejo a tua sombra no muro
estás sentado sobre teus suspensórios na cama
a mão da sombra ergue até à cabeça um frasco de Lysol
teu vulto decai sobre o soalho

*Vachel Lindsay, Poeta norte-americano, 1879-1931. Suicidou-se, bebendo Lysol

(Tradução: J.T.Parreira)


To Lindsay
Vachel, the stars are out / dusk has fallen on the Colorado road / a car crawls slowly across the plain / in the dim light the radio blares its jazz / the heartbroken salesman lights another cigarette / In another city 27 years ago / I see your shadow on the wall / you’re sitting in your suspenders on the bed / the shadow hand lifts up a Lysol bottle to your head / your shade falls over on the floor

[Paris, May 1958]

terça-feira, fevereiro 06, 2007

A Bússola

O destino
ao fundo de uma nuvem
Para quem atravessa a névoa e o sol
no deserto, saber o lado
para onde caminhar
o norte
assiste ao arco que descreve o dia
e o sul
ao fundo do vento
sigamos o magnético
atractivo
da pura fantasia boreal.

domingo, fevereiro 04, 2007

Pós-modernidade na rede: a poesia brasileira no século XXI

Texto da poeta Virna Teixeira
(...)
Alguns blogs agregam poetas que escrevem de várias partes do Brasil, com o Algaravária (http://algaravaria.blogspot.com/). Na internet não há distância geográfica e sim afinidades. Há blogs que são escritos em todas as partes do país, por poetas que mantêm freqüentemente intensa atividade fora do local onde vivem, como por exemplo: Douglas Diegues do Portunhol Selvagem http://www.portunholselvagem.blogspot.com/) em Campo Grande, que mantém vários diálogos com outros poetas dentro da América Latina; Poesilha do Marcelo Sahea (http://poesilha.blogspot.com/) e Folhas de Girapemba da Ana Maria Ramiro (http://girapemba.blogspot.com/) em Brasília; Micropolis (http://micropolis.blogspot.com/), de Marília Kubota, em Curitiba; para citar alguns.

Há também interações de blogs brasileiros com blogs portugueses, como o Nocturno com gatos (http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/), de Soledade Santos; Linha de cabotagem (http://linhadecabotagem.blogspot.com/) de Helena F. Monteiro, o Finisterra de Oscar Mourave (http://www.finisterra.blogger.com.br/ ) que escreve sob pseudônimo e mora na Tunísia e os blogs de poesia e tradução Ao longe os barcos de flores (http://barcosflores.blogspot.com/), de Amélia Pais e Poeta salutor (http://www.poetasalutor.blogspot.com/) de J. T. Parreira. A poeta carioca Silvia Chueire, do Eugenia in the meadow (http://eugeniainthemeadow.blogspot.com/), pela proximidade da sua escrita com a dicção portuguesa, publicou seu primeiro e único livro de poesia em Portugal, através da internet.

in Cronópios

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

The Factory


Andy
Wahrol, a poeira caiu no chão
um ataque cardíaco
do tecto perto dos nossos olhos
do céu
cairam as luzes, a tua sombra
também sobre o chão.